Enquanto um individuo esbofeteia a Uber, não presta atenção à Rádio

Situação actual de conflito entre os taxistas e a Uber a nível mundial tem dois aspectos que creio merecem uma reflexão do ponto de vista empresarial.

Em primeiro lugar, a questão de concorrência desleal invocada pelos taxistas. Creio que a esmagadora maioria dos utilizadores defende a existência de um mercado regulamentado, onde os diversos concorrentes trabalham sob principios de igualdade. Nesse sentido é urgente que as autoridades competentes criem o enquadramento necessário para que dois serviços diferentes no conceito, mas semelhantes no propósito, possam concorrer lealmente.

O segundo aspecto está relacionado com a gestão da inovação, sobretudo quando esta incide em organizações que operam em regime de monopólio. Em rigor, o que a Uber fez em larga medida foi perceber como melhorar a experiência dos utilizadores no transporte em ambiente urbano. Criou standards elevados de serviço (viatura e motorista), simplificou a acessibilidade ao serviço e correspondente pagamento através de uma plataforma digital.

A Uber criou um produto que facilmente poderia ter sido desenvolvido por associações de táxis, caso a melhoria contínua do serviço fosse para estas um objectivo real. Talvez por isso, não seja de todo surpreendente que no dia da maior manifestação de táxis em Portugal contra a Uber, a aplicação mais solicitada na App Store da Apple em Portugal tenha sido a … Uber.

Na maioria dos setores de actividade, o reforço do protecionismo estatal é de curta sustentabilidade e não raras vezes um acelerador da diminuição de competitividade das empresas. Neste particular, podemos aprender com o exemplo da Rádio.

Todas as emissoras portuguesas de renome têm trabalhado as plataformas online, através do seu site ou redes sociais. Neste particular creio que o trabalho desenvolvido pela Radio Renascença é aquele que mais surpreende. Ao invés da TSF, Antena 3 ou Radio Comercial, a RR trabalha para um publico mais maduro e em teoria menos próximo deste fenómeno. Todavia é porventura a emissora que mais investe no registo vídeo com entrevistas, reportagens e noticias.

Condenada por muitos a uma morte lenta com a generalização da televisão nos anos 80 e a proliferação do acesso à internet no início do século, as principais emissoras de radio viveram dias muito difíceis até perceberem as oportunidades que a vida ”online” lhes reserva.

O acesso a novos formatos anteriormente vedados (como o vídeo e texto), aliados à possibilidade de disponibilizar programas completos em podcast, mudaram de forma radicalmente positiva a experiência de consumo pelos ouvintes. As emissões deixaram de ser exclusivamente acessíveis em directo e via radio, para serem disponibilizadas em horários e plataformas (pc, telemóvel, tablet, etc.) mais convenientes para o utilizador.

Quando vivemos no universo das pme’s, muitas vezes sufocados com a gestão da relação com a distribuição, é por vezes difícil pensar na figura do consumidor e como podemos evoluir os nossos produtos para que a experiência seja mais satisfatória. Em ultima análise, é o consumidor que vai decidir a nossa “sorte”: continuando a consumir ou dando preferência a outros produtos.

E esta não é uma realidade exclusiva dos taxistas ou emissoras de rádio.
É a realidade dos músicos que lidam com a queda da venda de álbuns, aproximando-se dos ouvintes com mais e melhores concertos. É realidade dos canais de televisão com a quebra de audiências (e consequente investimento publicitário) e o aparecimento de fenómenos como o Netflix. É também a realidade das empresas de aluguer de automóveis com o aparecimento de plataformas como a Drivy.

Lutar por uma concorrência leal é uma exigência, mas perceber de que forma novos conceitos podem ser um exemplo na melhoria da satisfação do consumidor é um contributo importante para melhorar a competitividade da sua empresa.

Votos de uma excelente semana,


Carlos Coelho
Senior Partner @ The Portuguese Diet

(texto publicado originalmente em 15.Setembro.2015 na newsletter The Portuguese Diet)

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